Impacto das Propostas de Regulação nas Big Techs
“As big techs lucram com atenção.” A declaração do professor da PUC-SP, Diogo Cortiz, reflete a preocupação das grandes empresas de tecnologia diante de propostas de regulação no Brasil. Segundo ele, qualquer iniciativa que imponha restrições à circulação de informações compromete a lógica operacional dessas empresas, que depende do fluxo contínuo de dados e do engajamento dos usuários.
Cortiz comentou ao Real Time, do Times Brasil – Licenciado Exclusivo CNBC, que os custos financeiros da moderação, que incluem a contratação de equipes, softwares avançados e inteligência artificial, não constituem o principal desafio. O verdadeiro risco reside na necessidade de intervir no conteúdo que circula. “Quanto mais informações circulam livremente, maior o engajamento, mais anúncios são vendidos e o modelo se sustenta. A moderação implica responsabilidades e diminui essa dinâmica”, pontuou.
Regras mais rígidas em discussão
O debate sobre a possibilidade de uma lei específica para o ambiente digital no Brasil está se intensificando, e especialistas em direito consideram que tal legislação provocaria mudanças significativas. Fabrício Bertini Pasquot Polido, sócio do L.O. Baptista, enfatiza a ampliação da responsabilidade das plataformas em relação aos conteúdos de terceiros. Atualmente, as empresas só enfrentam punição se não cumprirem uma ordem judicial. Com a nova regulação, a obrigação de responder a notificações extrajudiciais também se tornaria relevante.
A proposta exigiria uma maior agilidade na remoção de conteúdos, trazendo implicações diretas para marketplaces, que poderiam ser responsabilizados por anúncios de produtos falsificados ou ilegais. “Haveria um aumento considerável nos custos operacionais, visto que seria necessário investir mais em equipes de moderação e tecnologias de detecção”, afirmou Polido.
Marcus Valverde, sócio do Marcus Valverde Sociedade de Advogados, concorda com essa análise. Ele observa que a tendência seria implementar políticas de moderação mais preventivas, que confrontariam a liberdade de publicação com uma filtragem mais severa. “Isso pode restringir a espontaneidade da circulação de informações”, avaliou.
Queixas levadas a Washington
As preocupações referentes a essa situação já foram apresentadas ao governo Donald Trump pelas big techs, que se manifestaram sobre o ambiente regulatório brasileiro. Entre as questões abordadas estão a moderação de conteúdo, a regulação da inteligência artificial, a operação de data centers e a proposta de taxação das plataformas.
Diogo Cortiz recorda que o Supremo Tribunal Federal (STF) já ampliou a responsabilidade das empresas em casos de conteúdos ilícitos, alterando a abordagem do Marco Civil da Internet. “Esse movimento elevou o risco jurídico para as plataformas”, declarou.
O papel do Pix
Outra fonte de tensão está relacionada ao Pix. De acordo com Diogo Cortiz, o lançamento desse sistema de pagamentos pelo Banco Central frustrou as tentativas da Meta de expandir o WhatsApp Pay no Brasil. “O Pix promoveu inclusão bancária, fortaleceu o ecossistema local e criou oportunidades de negócios também para as empresas de tecnologia”, explicou.
Daniel Marques, presidente da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), corrobora essa visão. Para ele, o Pix demonstra que é viável desenvolver um modelo regulatório que fomente a inovação, em vez de inibi-la. “O que funciona para o Brasil não é replicar modelos restritivos, mas sim ampliar a competição”, enfatizou.
Inteligência Artificial e Geopolítica
Outro aspecto de conflito é a inteligência artificial. Segundo Diogo Cortiz, a regulação desse setor é vista como um “pedágio” que as empresas teriam que pagar. Ele destaca que existe uma disputa global entre Estados Unidos e China, e que o Brasil alinha-se à visão dos BRICS, que é favorável a modelos abertos. “Esse movimento representa uma ameaça direta às empresas norte-americanas, que buscam consolidar um oligopólio em torno da tecnologia”, ponderou.
No Congresso brasileiro, está em tramitação um projeto de lei que já foi aprovado no Senado, impondo novas obrigações às plataformas. Simultaneamente, surgem alternativas globais, como o Brics Pay, que está previsto para setembro e pode diminuir os custos das transações internacionais, desafiando a hegemonia do dólar e do sistema Swift.
Benefícios e Riscos da Regulação
Apesar das divergências, especialistas reconhecem que a regulação pode resultar em benefícios para a sociedade. Fabrício Bertini Pasquot Polido ressaltou a importância da proteção de direitos fundamentais e do estímulo à concorrência local. Por outro lado, Marcus Valverde considera positivo o aumento da previsibilidade e da transparência sobre algoritmos.
Entretanto, Daniel Marques alerta que a excessiva regulamentação pode sufocar a inovação e afastar investimentos. Ele argumenta que a prioridade deve ser criar condições que permitam ao Brasil desenvolver suas próprias big techs.
Temores em Comum
Embora as opiniões possam divergir, há pontos de convergência. Os elevados custos de compliance, a insegurança jurídica e a possibilidade de uma tributação específica figuram entre as principais preocupações das empresas. Para Marcus Valverde, essa combinação pode levar as companhias a reavaliar suas estratégias no Brasil. Daniel Marques acrescenta que um ambiente regulatório instável pode direcionar investimentos para fora do país.
A questão central permanece: como equilibrar a proteção dos usuários com a preservação de um ecossistema inovador, que já colocou o Brasil entre os mercados digitais mais relevantes do mundo?