Críticas ao apoio de Trump às importações de carne bovina da Argentina
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enfrenta uma onda de críticas por parte de pecuaristas americanos após manifestar seu apoio ao aumento das importações de carne bovina da Argentina com tarifas reduzidas, com o objetivo de amenizar os preços recordes da carne no país. Essa medida foi anunciada apenas algumas semanas depois que produtores de soja dos EUA já haviam expressado preocupações sobre um acordo separado com a Argentina, temendo que ele proporcionasse uma vantagem competitiva aos produtores sul-americanos no mercado.
Atualmente, a Argentina representa um pouco mais de 2% das importações de carne bovina nos Estados Unidos. Sob as regras atuais, o país pode exportar até 20 mil toneladas métricas por ano com tarifas reduzidas. Qualquer volume acima desse limite está sujeito a uma tarifa de 26,4%, conforme indicado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.
Um funcionário da Casa Branca informou à CNN que a administração Trump planeja aumentar essa cota para 80 mil toneladas métricas, o que quadruplicaria a quantidade de carne argentina que pode entrar nos Estados Unidos com tarifas reduzidas. Christian Lovell, um produtor de gado de Illinois e diretor sênior de um programa da organização agrícola apartidária Farm Action, declarou: “Se Trump seguir adiante com o que propôs, acredito que seja uma traição aos pecuaristas americanos”. Ele comparou a situação a “vender nossos produtos para um concorrente estrangeiro”.
Trump reagiu à crítica dos pecuaristas na quarta-feira, afirmando que “os pecuaristas, que eu adoro, não entendem que o único motivo pelo qual eles estão indo tão bem, pela primeira vez em décadas, é porque eu impus tarifas sobre o gado que entra nos Estados Unidos, incluindo uma tarifa de 50% sobre o Brasil”. O presidente também afirmou que os pecuaristas precisam reduzir seus preços, destacando a importância do consumidor em sua análise.
Colin Woodall, CEO da Associação Nacional de Pecuaristas de Gado de Corte, uma entidade comercial para produtores de carne bovina, declarou que a organização e seus membros “não podem apoiar o Presidente enquanto ele prejudica o futuro dos agricultores e pecuaristas familiares ao importar carne argentina numa tentativa de influenciar os preços.”
Fundamentos do aumento recorde nos preços da carne bovina
O aumento no preço da carne bovina foi significativo, com um crescimento de quase 14% nos últimos doze meses, conforme os dados mais recentes sobre inflação divulgados pelo Departamento de Estatísticas Trabalhistas em agosto. Uma nova atualização sobre os preços ao consumidor deve ser revelada na próxima sexta-feira. Becca Jablonski, economista agrícola da Escola de Negócios Johnson da Universidade Cornell, explicou que esse aumento é impulsionado por diversos fatores.
Ela afirmou que anos de seca severa diminuíram a quantidade de terras disponíveis para pastagem e tornaram a ração para os rebanhos muito mais cara, resultando em uma escassez de gado. Essa escassez foi ainda mais acentuada por uma infestação da mosca da bicheira, um parasita que afeta a carne, localizados nas proximidades da fronteira com o México, o que diminuiu substancialmente as importações de carne dessa região.
Jablonski comentou que o setor pecuário historicamente enfrenta dificuldades financeiras, mas que este ano está experimentando um raro período positivo, o que possibilita aos agricultores quitar suas dívidas acumuladas em anos anteriores de prejuízos. “Acho que o argumento do setor é: ‘Deixem-nos ter um ano bom'”, disse.
Em comunicado, a porta-voz da Casa Branca, Anna Kelly, afirmou que o presidente está cumprindo suas promessas de proteção aos agricultores e consumidores. Ela enfatizou que Trump se comprometeu a proteger os pecuaristas americanos e a proporcionar alívio econômico aos cidadãos comuns. A administração acredita que a ampliação das importações de carne bovina argentinas ajudará a reduzir os preços ao consumidor no curto prazo, enquanto uma nova iniciativa do USDA visa apoiar os pecuaristas e ampliar os rebanhos para manter os preços baixos no longo prazo.
Lovell acrescentou que muitos agricultores conhecidos por ele estão apenas no limite da sobrevivência e que a ideia de que os produtores de gado estão “nadando em dinheiro” é uma compreensão equivocada da situação real do setor. Segundo ele, as grandes corporações de processamento de carne, que compram produtos dos pecuaristas americanos, são as verdadeiras responsáveis pelos aumentos de preços.
Impacto nas culturas de soja devido à disputa tarifária
Sinais indicam que o apoio a Trump entre os habitantes de áreas rurais começou a enfraquecer. Nas eleições de 2024, o presidente venceu em 93% dos condados rurais, a maior proporção entre candidatos presidenciais republicanos neste século, conforme dados do Economic Innovation Group, uma organização de pesquisa de viés bipartidário.
Os produtores de soja, no entanto, foram os primeiros a sentir os impactos negativos das tarifas recíprocas impostas por Trump à China. Desde maio, a nação asiática tem efetivamente boicotado a soja americana em resposta às tarifas. Além disso, o setor agrícola familiar nos Estados Unidos já enfrentava dificuldades antes da imposição das tarifas, com uma perda de mais de 17% das fazendas familiares desde 2017, totalizando pelo menos 100.000 propriedades, segundo o USDA.
As falências rurais aumentaram no primeiro semestre do ano, alcançando o nível mais alto desde 2021, de acordo com dados dos tribunais americanos. John Boyd, agricultor de quarta geração e fundador da Associação Nacional dos Agricultores Negros, comentou que nunca teve dificuldades para vender suas colheitas até recentemente. “Agora ninguém está comprando”, lamentou Boyd, enfatizando que a China era seu maior comprador, mas não fez nenhum pedido.
Ele criticou as tarifas de Trump, afirmando que “o presidente acha que essas tarifas são a melhor coisa desde a invenção do pão fatiado, e isso está levando os agricultores americanos à falência”. No mês anterior, o governo também enfrentou críticas após ter concordado em fornecer US$ 20 bilhões em apoio monetário na tentativa de estabilizar a economia argentina, uma ação que foi vista como um resgate ao país sul-americano.
Uma mensagem de texto obtida pela CNN sugeriu que a assistência financeira que a Argentina recebeu poderia ter sido utilizada para fechar um acordo de soja com a China. A mensagem afirmava: “Resgatamos a Argentina ontem e, em troca, os argentinos removeram suas tarifas de exportação sobre grãos, reduzindo seu preço para a China em um momento em que normalmente estaríamos vendendo para eles”. Boyd expressou frustração, dizendo: “Aqui estamos nós perdendo nossas fazendas, e o presidente está ajudando um país estrangeiro”.
Intervenção do USDA
No início deste mês, fontes informaram à CNN que a Casa Branca estava planejando estender um pacote de resgate multibilionário para agricultores. Ainda não havia planos concretos em decorrência da paralisação do governo, que já se estendia por mais de três semanas. Embora o USDA tenha enfrentado restrições durante a paralisação, a agência anunciou na quarta-feira um plano que, segundo suas declarações, “fortaleceria a indústria americana de carne bovina”.
Esse plano inclui a expansão do acesso dos pecuaristas a terras federais para pastagem e priorização de pedidos de subsídios para veteranos das Forças Armadas que desejam ingressar no setor, entre outras medidas. Lovell expressou que, apesar de o plano parecer uma boa notícia para muitos agricultores, ainda é considerado insuficiente para proteger adequadamente o setor. “O que os pecuaristas americanos precisam é de um mercado justo com os incentivos corretos. Precisamos incentivar a reconstrução do rebanho bovino aqui nos EUA”, enfatizou Lovell, considerando esse esforço como uma tentativa rápida de controlar os danos causados.”
Fonte: www.cnnbrasil.com.br