Reformas e mudanças estruturais e demográficas podem explicar a resiliência do emprego.

Resiliência do Mercado de Trabalho no Brasil em Cenário de Juros Elevados

Setores de saúde, TI e entregas mantêm empregos estáveis mesmo com juros elevados. (Imagem: Reuters/Amanda Perobelli)

Apesar da taxa de juros restritiva, o mercado de trabalho no Brasil demonstra resiliência. Entretanto, a falta de uma justificativa clara para essa situação gera dúvidas entre analistas, que apontam para mudanças estruturais, o fim do bônus demográfico e as reformas trabalhista e previdenciária como possíveis explicações. Esse fenômeno foi discutido em recente análise do Estadão/Broadcast.

Setores que Mantêm o Emprego

O economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida, afirma que a estabilidade no emprego é concentrada em alguns setores. Segundo ele, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que as áreas da saúde, Tecnologia da Informação (TI) e motofrete têm apresentado crescimento constante desde a pandemia.

“Ao analisarmos separadamente os setores de saúde, motofretes e TI, percebemos que outras atividades já mostram sinais de desaceleração em seu crescimento. Contudo, mesmo na ausência desse crescimento, a taxa de desemprego no Brasil permanece baixa, em torno de 8%. Acredito que ela permanecerá nesse patamar, fechando o governo atual com um índice abaixo de 7,5%”, revela Almeida.

Participação no Mercado de Trabalho

A diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management, Solange Srour, observa que a pandemia impactou drasticamente a taxa de participação da população ativa, ou seja, a proporção de pessoas que estão empregadas ou em busca de emprego. Esse efeito vem diminuindo com a recuperação econômica, mas muitos ainda relutam em retornar ao mercado de trabalho, limitando assim a oferta de mão de obra.

“Desde o segundo semestre de 2020, o aumento das transferências de renda – tanto em volume quanto em valor real – fez com que essa participação fosse pressionada a cair”, explica Solange. Ela observa que a relação entre o valor médio dos benefícios e o salário mínimo se intensificou após a pandemia, reduzindo o incentivo para que cidadãos busquem emprego, especialmente entre os de menor renda e qualificação.

Impacto das Políticas Sociais

Mansueto Almeida levanta dúvidas quanto à abrangência desse efeito. Ele menciona um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) que sugere que o aumento dos programas sociais afetou, embora de forma limitada, a oferta de trabalho, especialmente entre mulheres com filhos pequenos.

“Mães que recebem programas sociais tendem a permanecer em casa para cuidar das crianças, o que pode ser benéfico em alguns contextos. O estudo do FMI indica que o impacto dessas políticas talvez não tenha sido tão expressivo quanto se imaginava”, comenta Mansueto.

Desafios nas Classificações de Emprego

As incertezas também se estendem à análise dos dados sobre emprego. O economista Rodolfo Margato, da XP Investimentos, aponta dificuldades na classificação das atividades informais na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). “Realizar uma análise precisa dessas categorias é desafiador. No entanto, é evidente que as atividades informais ganharam relevância, apresentando um crescimento bastante significativo nos últimos anos”, pondera Margato.

Desafios do Banco Central

Em um evento da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) em agosto, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, expressou dificuldades em explicar a outros banqueiros centrais a resiliência do mercado de trabalho no Brasil. Segundo Galípolo, a renda dos trabalhadores informais tem crescido historicamente mais do que a dos trabalhadores formais, possivelmente devido às regras de reajuste e indexação do mercado laboral. “Como a economia cresceu acima das expectativas, observamos um aumento no desejo da população em trabalhar nessa modalidade [informal]”, diagnosticou.

Mudanças Demográficas e sua Influência

Na avaliação de João Savignon, head de macroeconomia da Kínitro Capital, a baixa taxa de desemprego atual é atribuída não apenas à criação de novas vagas, mas também à diminuição no número de pessoas buscando trabalho. “A taxa de participação declinou acentuadamente durante a pandemia e, ainda que tenha se recuperado, continua abaixo dos níveis pré-pandemia”, afirma Savignon.

Ele explica que essa queda na taxa de participação é um fenômeno complexo, que envolve fatores cíclicos, estruturais (como demografia) e políticas públicas, como programas de transferência de renda. “A interação desses elementos é central para entender o cenário atual”, complementa Savignon.

Perfil do Trabalhador em Mudança

Rodolfo Margato, da XP Investimentos, destaca que as mudanças demográficas projetadas pelo IBGE têm repercussões significativas para o mercado de trabalho nas próximas décadas. “EstamosObservando uma desaceleração no número de nascimentos e um envelhecimento gradual da população. A idade média do trabalhador, que era em torno de 25 anos há algumas décadas, agora se aproxima dos 40 anos”, ressalta.

Impactos das Reformas no Emprego

Solange Srour, do UBS Global Wealth Management, enfatiza que reformas estruturais, como a trabalhista de 2017 e a previdenciária de 2019, desempenharam um papel crucial na redução do desemprego estrutural. A reforma trabalhista flexibilizou contratações e ampliou a formalização das relações de trabalho, enquanto a reforma previdenciária incentivou a permanência de trabalhadores mais experientes no mercado.

Andrea Damico, economista da Buysidebrazil, complementa que a reforma trabalhista contribuiu para um mercado mais dinâmico. “O aumento da flexibilidade pode ter favorecido essa resiliência estrutural do emprego. Além disso, um fenômeno global pós-pandemia, como a adoção do trabalho híbrido, ajudou a aumentar a produtividade e, consequentemente, contribuiu para um aumento salarial”, avalia Damico.

A Influência do Cenário Atual

O economista Bruno Imaizumi, da 4intelligence, observa que as reformas trabalhistas de 2017, as mudanças demográficas e as transformações tecnológicas em curso no Brasil estão interligadas e ajudam a manter a taxa de desemprego em níveis baixos. “Esses fatores têm contribuído para uma taxa de desemprego menor, e muitos deles não aparecem nos cálculos do hiato do produto ou da Nairu [taxa neutra de desemprego]”, aponta Imaizumi.

Além disso, Mansueto Almeida sugere que a referência para a Nairu pode ter mudado ao longo do tempo. “Talvez essa taxa natural de desemprego seja atualmente menor. A transformação de setores intensivos em mão de obra, como a entrega de alimentos por motociclistas, cresceu bastante após a pandemia”, conclui Almeida.

Conclusão

As dinâmicas do mercado de trabalho no Brasil em um cenário de altas taxas de juros são complexas e multifacetadas. O desempenho diferenciado de setores como saúde, TI e entregas contrasta com a desaceleração em outras áreas, refletindo um quadro de resiliência bem como desafios que precisam ser enfrentados. As mudanças demográficas, as reformas estruturais e as políticas de transferência de renda estão na raiz desse comportamento do mercado de trabalho, exigindo atenção contínua de economistas e formuladores de políticas públicas para que o Brasil consiga evoluir e enfrentar as novas realidades do mercado de trabalho.

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