O Mercado de Crédito no Brasil
O mercado de crédito brasileiro está passando por transformações estruturais significativas nos últimos anos.
Precatórios como Instrumentos de Securitização e Ferramenta Social
Os precatórios são, em sua essência, dívidas judiciais do poder público reconhecidas em decisão judicial definitiva, que podem ser devidas a pessoas físicas ou jurídicas. Apesar de serem considerados pagamentos obrigatórios, sua liquidação frequentemente demora anos, gerando assim um mercado secundário de compra e venda com desconto. Por meio da estruturação em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), esses ativos têm se consolidado como instrumentos de securitização não padronizados, conectando credores que desejam antecipar recursos a investidores dispostos a assumir os riscos associados à temporalidade e ao pagamento.
Além de seu caráter financeiro, os precatórios têm uma dimensão social importante, representando direitos reconhecidos de servidores públicos, aposentados, fornecedores pequenos e outros credores que aguardam por longos períodos, às vezes até décadas, pelo pagamento integral. Ao se adquirirem precatórios, mesmo com deságio, o mercado oferece a esses credores a possibilidade de acesso antecipado a recursos, o que contribui para a circulação da economia real. Com isso, tais ativos se tornam alavancas de liquidez e de dignidade para aqueles que esperam por seus créditos.
Atualmente, o mercado brasileiro de precatórios ainda é incipiente em comparação a economias mais desenvolvidas. O estoque total de precatórios no Brasil chegou a aproximadamente R$ 311 bilhões em 2024, com um crescimento anual de 9% desde 2019. É importante ressaltar que apenas 22% desse volume está centralizado na União, que apresenta maior organização e liquidez, o que revela o grande potencial de expansão que existe em esferas estaduais e municipais, ainda pouco exploradas e repletas de oportunidades.
O Uso Estratégico de Precatórios para Otimização Tributária
Nos últimos anos, a visão sobre os precatórios evoluiu; eles deixaram de ser classificados apenas como ativos ilíquidos de longo prazo e passaram a desempenhar um papel relevante na gestão tributária. Vários entes federativos permitem a utilização de precatórios para a compensação de tributos como ICMS, ISS, ou débitos que estão inscritos na dívida ativa.
Na prática, as empresas compram precatórios no mercado secundário com deságio e utilizam o valor total para quitar tributos, o que resulta em economias substanciais e em uma maior eficiência no fluxo de caixa. Essa dinâmica vem contribuindo para o aumento da liquidez do mercado e atraindo gestores especializados, que buscam ativos com um perfil jurídico robusto e potencial fiscal, especialmente em empresas que enfrentam uma carga tributária elevada.
Os Impactos da PEC 66/23
A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66 trouxe mudanças significativas para o setor. Uma análise realizada pela BRZ indica que, embora cerca de 70% dos entes públicos não sejam diretamente afetados pelas alterações trazidas pela PEC, aproximadamente 74% do total de precatórios sofrerão restrições em seus pagamentos em razão dos novos limites associados à Receita Corrente Líquida (RCL).
Esses novos limites podem resultar em uma redução de até 50% na taxa média de quitação, que se refere à relação entre o volume pago de precatórios e o montante de novos títulos que são emitidos. Além disso, essa situação poderá alongar consideravelmente a fila de pagamentos. Em cenários extremos, essa deterioração pode alcançar uma taxa de 113%, o que aumenta o risco para investidores que não estão bem preparados, além de intensificar a pressão sobre o já delicado quadro fiscal do Brasil.
Outro aspecto relevante é a modificação no indexador de atualização, que agora será determinado pela menor taxa entre o IPCA mais 2% ao ano e a taxa Selic. Essa mudança pode impactar diretamente a taxa de retorno esperada, exigindo a aplicação de uma modelagem mais avançada e uma capacidade de precificação mais robusta.
Uma Indústria em Ascensão, mas que Exige Especialização
O patrimônio líquido de FIDCs que incluem precatórios em sua carteira cresceu mais de 16 vezes desde 2015, alcançando R$ 68 bilhões em junho de 2025. No entanto, essa quantia ainda representa apenas 10% do total do setor de crédito estruturado, o que demonstra um espaço considerável para crescimento, ao mesmo tempo em que enfatiza a importância de uma gestão disciplinada na originação, estruturação e governança dos ativos.
Esse mercado demanda uma expertise jurídica, diligência rigorosa e monitoramento contínuo. O crescimento sem critérios adequados pode colocar em risco a sustentabilidade das operações, ressaltando a necessidade de gestores com especialização na análise e na gestão desses ativos para assegurar sua viabilidade a longo prazo.