A Crise no Agronegócio Brasileiro
A ressaca após os “dias de ouro” na saída da pandemia resultou em uma das maiores crises que o agronegócio brasileiro já enfrentou, de acordo com Carlos Aguiar, diretor de agronegócio do Santander.
“A alavancagem do agro está muito alta e todo mundo que fez investimentos nos golden days, entre 2020 e 2022, está tendo que pagar”, afirmou Aguiar em entrevista ao Money Times.
Nesse contexto, o Santander decidiu adotar uma postura mais cautelosa. O banco começou a se envolver de maneira mais intensa no setor há uma década e atua principalmente com médios e grandes produtores. Durante esse período, o banco registrou um crescimento anual de 30% no agronegócio, levando a uma carteira atual de R$ 50 bilhões, o que representa entre 5% e 7% da carteira de crédito do banco.
“Estamos muito mais cautelosos e seletivos. A nossa carteira não cresceu em 2024 e não deve crescer neste ano”, acrescentou.
O Auge e a Crise do Agronegócio
O auge e a crise recente do agronegócio têm suas raízes na pandemia, que causou a quebra das cadeias produtivas, além do conflito na Ucrânia.
Naquele período, a desvalorização cambial e a taxa Selic baixa incentivaram novos investimentos. A margem Ebitda alcançou 45% para o produtor rural, uma cifra significativa em comparação com o histórico de aproximadamente 15%.
A percepção de que o setor estava alcançando um novo patamar de retorno sobre investimento resultou em um influxo maciço de recursos, segundo Aguiar.
“Todos os bancos passaram a ter uma área de agro e ‘todo mundo’ passou a fazer Fiagros. Agora, estamos com uma Selic de 15%. Esse troço não se paga”, esclareceu.
Os altos níveis de alavancagem geraram dificuldades para o mercado e a normalização desse cenário levará tempo, conforme analisa Aguiar.
“O único jeito de se desalavancar é devolver o que você comprou, vender novamente sua fazenda e equipamentos. Ou seja, é necessário trabalhar para que a dívida contraída seja gerenciável na realidade da margem atual do mercado”, concluiu.
Os Mais Impactados pela Crise
Aguiar enfatizou que, além do pequeno produtor, o arrendatário é um dos mais afetados pela situação atual.
No período de “boom” das margens, muitos arrendaram terras por preços que atualmente não são viáveis.
O diretor do Santander observa que muitos produtores estão optando por vender terras, o que tem pressionado os preços das propriedades no mercado. Além disso, os arrendatários estão enfrentando dificuldades em obter crédito para financiamentos. “Estamos com uma situação bem complicada”, detalhou.
Aguiar descreve o momento atual como uma crise distinta das que ocorreram antes de 2015, que surgiam a cada três ou quatro anos, geralmente relacionadas a disrupções logísticas, como caminhões, fretes e portos.
Segundo ele, a situação atual é mais complexa, pois temos um “boom” de produção mantendo os preços em patamares mais baixos. Em consequência, as margens estão comprimidas ou reduzidas.
“Há margem para o produtor e ela é positiva, mas apenas para quem não está alavancado e não precisa pagar 15% de Selic mais spread”, frisou.
A expectativa de Aguiar é que a atual crise possa ser superada em um prazo de dois a três anos, mas isso exigirá maior prudência no fornecimento de crédito por parte dos bancos, assim como uma gestão de risco mais eficaz por parte dos produtores.
Indústria de Recuperações Judiciais no Agronegócio
Sobre essa situação, Aguiar aponta que atualmente há uma “indústria de recuperações judiciais” no setor, algo inédito até o momento.
Ele argumenta que essa simplificação do problema acaba prejudicando bancos e fornecedores, além de dificultar o acesso ao crédito no agronegócio. “A ideia de que se pode apertar um botão e ficar protegido dos credores é um mito. Existe uma venda de soluções milagrosas, mas na prática, muitos estão pedindo recuperação judicial sem entender completamente o que estão fazendo”, afirmou.
Impacto da Resolução 4966 nos Bancos
Além da questão das recuperações judiciais, outro fator que tem afetado a atuação dos bancos na concessão de crédito para o agronegócio é a nova Resolução CMN 4.966, que alterou a maneira como as instituições fazem provisões para créditos considerados duvidosos.
A nova legislação torna o modelo brasileiro mais próximo do padrão internacional, que é conhecido por ser mais complexo e punitivo. Anteriormente, as provisões para perdas eram realizadas de forma linear, conforme o atraso nos pagamentos, mas, se o devedor quitasse a dívida, ele voltava à normalidade.
“Com a nova regra, assim que faço o primeiro desembolso, já preciso reservar 2%. Isso significa que nos dois primeiros meses não lucro, pois, além da primeira provisão, se o devedor atrasar, devo provisionar ainda mais”, explicou Aguiar.
Se o tomador de crédito atrasar o pagamento em 15 a 20 dias, o banco precisa provisionar cerca de 10% por um ano, mesmo que o pagamento final ocorra.
“Diante dessa realidade, fica quase impossível para o banco conceder crédito, pois isso gera prejuízo. Mesmo que a garantia seja considerada ótima, em situações de recuperação judicial, a necessidade de provisionar uma alta porcentagem torna essa garantia menos valiosa”, ressaltou.
Aguiar ainda comentou que essa mudança regulatória não impactou tanto o Santander, já que o banco adotou um modelo semelhante há três anos. “Nós já enfrentávamos essas dificuldades antes de outras instituições”, concluiu.
A possibilidade de recuperação judicial e as novas regras deverão provocar mudanças significativas no mercado de crédito voltado ao agronegócio, que se tornará mais seletivo e exigirá garantias mais robustas.
Apesar das adversidades atuais, o Santander pretende continuar ativo no agronegócio, conforme afirmou Aguiar. “Acreditamos no agro e vamos seguir acreditando”, finalizou.
Fonte: www.moneytimes.com.br