Transformações no Mercado Financeiro
O mercado financeiro passou por uma transformação significativa e silenciosa, que impactou profundamente a relação entre investidores e gestores. Antes, essa relação era pautada pela confiança, pelo diálogo constante e pelo entendimento mútuo. Atualmente, essa dinâmica se alterou, resultando em uma cadeia de intermediações, plataformas e discursos genéricos.
Mudanças na Relação com o Investidor
Anteriormente, os investidores estabeleciam uma conexão mais íntima com suas escolhas financeiras, sendo informados detalhadamente por meio de cartas que explicavam decisões e estratégias de investimento. No entanto, esse cenário se alterou, e agora os investidores se tornaram consumidores de produtos financeiros que são rotulados e vendidos como soluções prontas, sem uma explicação adequada sobre o que realmente incluem.
As cartas dos gestores, que outrora continham análises aprofundadas, evoluíram para meras peças de marketing. Expressões como "seguimos atentos", "mantemos disciplina" e "vemos oportunidades" substituem as análises concretas, enquanto algumas dessas mensagens são geradas por inteligência artificial, que garante um texto limpo e isento de confrontos. Com isso, o conteúdo se desmaterializa, perdendo textura, autoria e autenticidade.
Desconexão no Relacionamento Financeiro
Os gestores, que anteriormente colocavam suas reputações em jogo ao se comunicar diretamente com os investidores, agora recorrem a ferramentas automatizadas e deixam os públicos na indiferença. Os investidores, em muitos casos, não sabem quem administra seu patrimônio. A tomada de decisões agora passa por uma série de assessores, influenciadores, departamentos de marketing e robôs, eliminando o contato direto que antes existia.
Diversos produtos financeiros, como Certificados de Operações Estruturadas (COEs), Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) e Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs), são oferecidos sem clareza. Os investidores não têm uma noção clara de onde seu dinheiro está alocado, dos riscos associados ou do que podem ganhar ou perder.
A Compreensão Limitada dos Assessores
Os assessores financeiros, que são remunerados com base nas vendas e não pela performance, também carecem de uma compreensão extensiva sobre o que estão oferecendo. A estrutura de comissionamento garante suas receitas, mesmo que os clientes sofram prejuízos significativos. Essa desconexão é fruto de um modelo que favorece a concentração de renda e a homogeneização das relações financeiras, resultando em uma distância crescente entre gestores e investidores.
O gestor não conhece seu cliente, e o cliente não tem conhecimento sobre quem gerencia seus recursos. Com isso, o dinheiro torna-se anônimo, e o diálogo verdadeiro é substituído por um sistema de vendas impessoal. A regulamentação, que muitas vezes é moldada pelos grandes bancos, contribui para esse cenário de anonimato.
Efeitos do Compliance e Marketing
O compliance e o marketing atuam como agentes conservantes nesse ambiente: eles evitam riscos de possíveis problemas, mas em contrapartida, removem o que poderia ser a verdade. Nesse contexto, os investidores acabam adquirindo a ideia de "diversificação" e "segurança", acreditando que isso seria uma proteção. No entanto, os retornos financeiros frequentemente se revelam insatisfatórios.
A confiança do investidor se baseia apenas na aparência dos produtos financeiros, e quanto mais distante estiver o consumidor de quem realmente “fabrica” esses produtos, mais aditivos são inseridos, tanto no produto em si quanto no discurso utilizado para sua venda.
Paralelos com Outras Indústrias
Esse fenômeno de desconexão não é uma exclusividade do setor financeiro. A indústria alimentícia também vivenciou um processo similar, no qual os consumidores se tornaram distantes da origem dos alimentos. Hoje, muitos não sabem quem planta, colhe ou prepara os alimentos que consomem. O vínculo que existia foi substituído por narrativas de marketing, enquanto o sabor original é frequentemente substituído por fatores químicos.
Produtos alimentícios prometem ser “naturais”, “artesanais” ou “feitos com amor”, mas são, na realidade, fabricados em massa e vendidos com slogans atrativos. Os consumidores, então, adquirem produtos rotulados como "zero açúcar" ou "light", acreditando que estão fazendo escolhas saudáveis, mesmo cientes de que a realidade pode ser mais complexa.
A Necessidade de Reconexão
A falta de contato direto e verdadeiro é um fator que contribui para a mediocridade na experiência do consumidor, seja na alimentação ou nas finanças. Assim como na indústria alimentar, onde os conservantes mantêm o produto no mercado, o setor financeiro utiliza o marketing e o compliance para garantir que produtos sejam vendáveis, mas essas estratégias também destroem a autenticidade na relação com o investidor.
O futuro, tanto nas finanças quanto na vida cotidiana, pode estar na busca pelo retorno ao essencial. Necessitamos de uma reconexão com aqueles que produzem o que consumimos. É fundamental estabelecer um diálogo direto com os gestores, semelhante ao que teríamos com um agricultor, buscando entender o processo por trás dos produtos financeiros e não apenas os resultados.
O dinheiro, assim como a comida, representa uma relação e, tal qual as relações pessoais, não pode sobreviver a tantos aditivos. Quanto mais distante o consumidor está de quem produz, mais prejudicial se torna o produto, seja na mesa ou na carteira.
Fonte: www.moneytimes.com.br
