Paralisação do Governo nos Estados Unidos
A paralisação do governo federal nos Estados Unidos já perdura por um mês e tem potencial para se transformar na mais longa da história. Apesar de em ocorrências anteriores a economia ter demonstrado recuperação em alguns meses, a atual situação gera preocupações crescentes entre economistas. A cada dia que essa paralisação se prolonga, aumenta o risco de que a economia não se recupere, mas, em vez disso, entre em colapso, afetando a subsistência de milhões. Segundo Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics, a fragilidade da economia pode amplificar os problemas provenientes de tal interrupção.
Estudos realizados pelo Escritório de Orçamento do Congresso, divulgados recentemente, indicam que os efeitos diretos da paralisação podem resultar em uma redução permanente da produção econômica em pelo menos US$ 7 bilhões.
Os efeitos negativos se acumulam rapidamente e, conforme observa Diane Swonk, economista-chefe da KPMG, os danos colaterais se tornam mais abrangentes. A analogia utilizada por ela sugere que a situação se assemelha a uma bola de neve descendo uma ladeira, ganhando impulso e volume à medida que avança.
Prever as consequências de uma situação cada vez mais imprevisível é uma tarefa complicada, mas a seguir está uma análise de como a paralisação pode impactar áreas essenciais da vida cotidiana.
Empregos
Antes do início da paralisação, a situação do mercado de trabalho nos Estados Unidos já era delicada, caracterizada por uma escassez de novas contratações, baixas demissões e pouca rotatividade. Essa incerteza econômica e política levou os empregadores a postergarem investimentos e novas contratações. Algumas empresas, no entanto, aproveitaram o período para implementar tecnologias como a inteligência artificial, o que desafiou a descrição do cenário de “poucas demissões”, resultando em cortes significativos de profissionais nas últimas semanas.
Mark Zandi aponta que, na verdade, não estão sendo gerados novos empregos relevantes. O contexto em que se encontram os empregadores pode transformar ganhos mínimos de emprego em perdas mais significativas se as redes de proteção social se desintegrarem. Isso ocorre especialmente se mais funcionários e contratados federais começarem a não receber seus salários, e se reduções orçamentárias impactarem o setor privado, levando a demissões ou fechamento de negócios.
Uma análise da Câmara de Comércio dos EUA, divulgada recentemente, estima que 65.500 pequenos empresários podem enfrentar bilhões em pagamentos em risco devido à paralisação, totalizando cerca de US$ 12 bilhões em pagamentos apenas neste mês.
Embora cortes nas taxas de juros e uma maior clareza em relação a acordos comerciais e tarifas sejam esperados para fomentar uma recuperação das contratações até 2026, a economista do trabalho Nicole Bachaud, do ZipRecruiter, adverte que a redução nas tarifas pode diminuir o consumo antes do fim do ano e que uma paralisação duradoura pode corroer ainda mais a confiança do consumidor. Essa perda de confiança prolongaria a estagnação do mercado de trabalho.
O índice de confiança do consumidor nos Estados Unidos caiu em outubro para o menor nível desde abril, quando o presidente Donald Trump anunciou um intenso pacote de tarifas sobre produtos importados, segundo o último relatório do The Conference Board publicado nesta semana.
Assistência Médica e Economia do Cuidado
Um dos pontos críticos na paralisação do governo é a suspensão dos subsídios adicionais para planos de saúde abrangidos pelo Affordable Care Act. Os democratas reivindicam que um pacote de financiamento de curto prazo inclua a prorrogação desse auxílio, enquanto os republicanos não pretendem negociar até que o governo seja reaberto.
Com a abertura do período de inscrição em 1º de novembro, mais de 22 milhões de americanos que utilizam o mercado federal de seguros de saúde devem enfrentar um aumento médio de 26% nas mensalidades, conforme análise do KFF. No mesmo dia, mais de 65.000 crianças e famílias em 41 estados e em Porto Rico correm o risco de perder o acesso aos programas Head Start, que oferecem educação infantil e recursos de desenvolvimento para famílias de baixa renda.
O fechamento de creches pode rapidamente intensificar as dificuldades financeiras enfrentadas por famílias de baixa renda. A interrupção no acesso a cuidados infantis tem mostrado consequências negativas sobre a participação feminina no mercado de trabalho, além de prejudicar o crescimento da produtividade e a expansão econômica de forma geral.
Gastos
Conforme a paralisação se prolonga, a probabilidade de um impacto negativo na atividade econômica como um todo tende a aumentar, enfatiza Joe Brusuelas, economista-chefe da RSM nos EUA. Ele aponta que essa situação não representa apenas desempenhos econômicos adiados, mas cria condições para que a atividade econômica simplesmente deixe de acontecer.
A ausência de vagas de emprego, viagens não realizadas e férias não consumidas começam a ter um efeito cumulativo. A situação pode afetar a confiança entre consumidores, empresas e investidores, o que, em vez de estimular, poderá fazer com que a Bolsa de Valores oscile e, por conseguinte, desça. Zandi acrescenta que, se a paralisação persistir após o Dia de Ação de Graças, não haverá um retorno rápido, e os danos poderão ser indeléveis.
É importante salientar que o consumo das famílias representa dois terços da atividade econômica nos Estados Unidos. Embora esse setor tenha demonstrado resiliência diante da incerteza e da inflação elevada, essa estabilidade parece ocorrer em meio a um quadro econômico cada vez mais desigual, onde consumidores abastados, beneficiados por ganhos substanciais no mercado, têm gerado mais gastos. Em contrapartida, famílias de baixa e média renda enfrentam crescentes dificuldades financeiras.
Preços e Taxas de Juros
Uma paralisação prolongada pode aumentar ainda mais as incertezas em um ambiente de preços já volátil, de acordo com Zandi. Interrupções nos serviços governamentais e no financiamento podem afetar o comércio e as cadeias de suprimento, levando a um aumento de preços. Ao mesmo tempo, uma economia debilitada pode dificultar a elevação dos preços pelas empresas, o que poderia ajudar a manter a inflação controlada.
O resultado da situação permanece incerto. No entanto, as consequências econômicas da paralisação do governo podem, de acordo com Zandi, fornecer ao Federal Reserve mais razões para continuar reduzindo as taxas de juros. Neste cenário, o Fed prioriza o fraco mercado de trabalho em relação à inflação ou condições financeiras, e a paralisação tende a agravar ainda mais essa fragilidade.
Impacto Humano
As repercussões da paralisação podem agravar as dificuldades enfrentadas por muitos americanos, especialmente aqueles que estão em situação de vulnerabilidade. Como observado por Mark Zandi, a maioria das pessoas não se ocupa com as altas do mercado financeiro, mas sim com a necessidade de quitar suas contas, como cartões de crédito ou empréstimos estudantis.
A fragilidade econômica atual faz com que eventos como uma paralisação do governo possam escalar seus efeitos de maneira mais crítica do que a maioria imagina. A falta de financiamento para programas de assistência social, em especial o SNAP, pode não apenas intensificar a fome entre milhões de americanos, mas também ameaçar a estabilidade econômica em comunidades locais, principalmente nas áreas rurais.
Swonk, economista da KPMG, ressalta que isso apenas agrava obstáculos em um sistema econômico que já mostra sinais preocupantes de fragilidade. A dificuldade que famílias de baixa e média renda enfrentam tende a exacerbar as divisões políticas e reações adversas, tornando a situação ainda mais complexa. A economista conclui que estamos diante de um problema que resulta da ação humana.
Fonte: www.cnnbrasil.com.br
