Incidência do ITCMD
O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) incide, em termos gerais, sobre a transferência de bens e direitos, sejam eles móveis ou imóveis, em situações de herança ou doação. Cada Estado é responsável por definir suas próprias regras de cobrança e isenção, respeitando os limites legais estabelecidos.
Mudanças com a Reforma Tributária
Com a proposta de reforma tributária, a principal alteração é a implementação de um modelo progressivo para as alíquotas do imposto, onde indivíduos que recebem valores mais altos pagarão um percentual maior. João Pedro Ramos Garcia, advogado tributarista no escritório Ballstaedt Gasparino Advogados, esclarece que a proposta do PLP 108/2024 não apenas autoriza, mas também obriga todos os Estados a adotarem esse novo sistema, o que visa reduzir as disparidades existentes e a aplicação de alíquotas únicas que se aproximam do teto.
A maioria dos Estados já adota este modelo progressivo, mas ainda existem aqueles que aplicam taxas fixas, independentemente do valor da herança, como acontece em São Paulo e Minas Gerais, com alíquotas de 4% e 5%, respectivamente.
Impacto nas Cargas Tributárias
Especialistas apontam que, para contribuintes com patrimônios menores, a introdução do sistema progressivo tende a não gerar grandes impactos, podendo até ser ligeiramente vantajosa. Por outro lado, para as grandes fortunas, existe uma tendência de aumento na carga tributária. O impacto final dependerá das especificidades de cada Estado, que continuará com a liberdade de definir suas alíquotas.
Cristiano Luzes, sócio do escritório Serur Advogados, ressalta que, apesar do caráter polêmico da medida, ela pode representar um avanço em termos de justiça fiscal. Segundo ele, a progressividade do imposto corrige uma distorção do atual sistema tributário, que permitia a acumulação de patrimônio por várias gerações, mesmo entre indivíduos com rendas já consideráveis.
Limitações e Propostas de Alteração
Apesar da flexibilidade para definição de alíquotas, os Estados deverão respeitar o teto estabelecido pelo Senado, que é atualmente de 8%. A reforma proposta pelo PLP 108/2024 não alterou este limite; mudanças requerem uma nova resolução específica. Já há, no entanto, uma proposta de elevação desse teto, apresentada no Projeto de Resolução do Senado (PRS) 57/2019, que sugere um aumento para 16%.
Michel Siqueira, sócio da área de planejamento patrimonial do Vieira Rezende Advogados, afirma que essa reforma tributária oferece um sistema mais justo para o ITCMD, embora ressalte que alguns aspectos ainda podem ser aprimorados. Uma de suas críticas é a possibilidade de um modelo ainda mais progressivo, que oferecesse faixas adicionais para a aplicação das alíquotas.
“Guerra Fiscal” entre Estados
Devido às disparidades nas alíquotas e nas normas de cada Estado, muitos contribuintes utilizavam a estratégia de mudar seu domicílio para localidades com taxas menores antes de realizar planejamentos sucessórios. As recentes alterações no ITCMD provavelmente reduzirão, mas não eliminarão completamente essa “guerra fiscal”. As unidades federativas manterão a liberdade de definir suas faixas e alíquotas, embora o novo modelo busque padronizar as regras sobre a base de cálculo do imposto e delimitar a competência para a sua cobrança.
Em geral, o imposto sobre bens imóveis, como casas e terrenos, será cobrado pelo Estado onde o bem se encontra. Já para bens móveis, como veículos, a competência será do Estado de residência do falecido ou do doador.
Morvan Meirelles Costa Junior, sócio do escritório Meirelles Costa Advogados, afirma que essa padronização, ao eliminar as disparidades entre as legislações estaduais, pode diminuir o incentivo para mudanças de domicílio com fins exclusivamente tributários, garantindo maior segurança jurídica.
Ao contrário da reforma tributária do consumo, que terá um período de transição a partir de 2026, as mudanças no ITCMD não contarão com uma fase de adaptação. De acordo com o texto do PLP 108/2024, as novas regras entrarão em vigor a partir da publicação da lei complementar.
Preparativos para a Nova Legislação
Após a publicação da nova lei, os Estados que ainda não utilizam o modelo progressivo precisarão ajustar suas legislações. Luiz Henrique Mazetto Veronezi, sócio do PLKC Advogados, destaca que qualquer aumento do ITCMD deve respeitar o princípio da anterioridade, significando que as novas regras só poderão ser aplicadas 90 dias após a publicação da lei.
Dessa forma, os contribuintes podem levar um tempo para perceber os efeitos das mudanças, pois isso dependerá da data em que a lei complementar for publicada, da adequação das legislações estaduais e do prazo mínimo antes da entrada em vigor das novas alíquotas.
O Estado de São Paulo já está se antecipando a essas mudanças. O Projeto de Lei (PL) 409/2025 propõe a adoção de alíquotas progressivas para o ITCMD variando de 1% a 4%. Outro projeto, o PL 7/2024, apresentado no ano anterior, sugere faixas de 2% a 8%.
Uma simulação realizada pela plataforma Finvity, que é voltada para o planejamento financeiro e patrimonial, revelou o impacto dos dois projetos sobre famílias com diferentes níveis de patrimônio. Em ambos os cenários analisados, aqueles que possuem patrimônio de até R$ 2,5 milhões se beneficiariam com a aplicação do modelo progressivo.
Preparação para as Mudanças no ITCMD
Considerando que o ITCMD é um imposto estadual, será essencial acompanhar as adaptações nas regulamentações de cada Estado. Aqueles que têm interesse em realizar algum planejamento sucessório devem começar a se organizar para entender se a progressividade das alíquotas será benéfica ou não.
Para as famílias de alta renda, que serão mais afetadas pelas novas normas, antecipar doações ou reorganizar o patrimônio pode ser uma estratégia válida, permitindo que aproveitem condições potencialmente mais favoráveis antes da implementação da reforma.
Elisa Tebaldi, sócia do Ambiel Bonilha Advogados e especialista em direito tributário, observa que seus clientes já estão tomando decisões antecipadas em função da progressividade das alíquotas. No entanto, ela enfatiza que cada caso deve ser analisado de forma individual.
Gabriel Paranaguá, sócio da área tributária de Felsberg Advogados, recomenda que os contribuintes revisem suas estruturas de planejamento sucessório e patrimonial. Também é importante estar atento à documentação relacionada à herança. Segundo ele, o contribuinte deve formalizar e registrar corretamente atos de doação e a criação de trusts, garantindo que todos os documentos estejam em conformidade ante o novo rigor estabelecido pelas mudanças.
Os trusts são estruturas legais que permitem a administração de bens por um terceiro em benefício de um ou mais beneficiários. Antes da reforma, não havia uma regulamentação específica sobre a cobrança do ITCMD nesse contexto, e as decisões eram casuísticas. Enquanto o projeto impõe restrições aos trusts, ele isenta os planos de previdência privada do ITCMD em consonância com uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou inconstitucional a cobrança de imposto sobre heranças nessa modalidade. Assim, a validação do PLP 108/2024 proporciona maior segurança jurídica para os investidores.
Fonte: einvestidor.estadao.com.br