Queixas sobre Descoberta de Reservatório no Pré-Sal
No dia 4 de outubro, o anúncio de uma nova descoberta de reservatório de petróleo no pré-sal da Bacia de Santos gerou reações negativas da Federação Única dos Petroleiros (FUP). Embora a entidade, que representa os trabalhadores da indústria do petróleo, não seja contrária à exploração em si, a insatisfação se deu pelo fato de que a descoberta foi feita pela multinacional britânica BP Energy.
A BP classificou a descoberta como “significativa” e ressaltou que se trata da maior da companhia nos últimos 25 anos. O novo reservatório está localizado no bloco Bumerangue, a aproximadamente 400 metros da costa do Rio de Janeiro, uma distância similar à que separa as cidades de Rio de Janeiro e São Paulo (417 km).
A Propriedade do Bloco
A insatisfação da FUP decorre do fato de que o bloco Bumerangue é 100% de propriedade da BP, sem qualquer participação da Petrobras. A BP adquiriu o direito de explorar o bloco durante um leilão realizado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), órgão regulador do setor, em 2022.
Em um comunicado após o anúncio da descoberta, a FUP argumentou que a situação evidencia “os riscos da entrega do pré-sal ao capital estrangeiro e os retrocessos provocados pela flexibilização do regime de partilha”, citando palavras do coordenador-geral da entidade, Deyvid Bacelar.
“A operação reforça a perda de controle nacional sobre recursos estratégicos”, informou Bacelar.
Mudanças na Legislação e suas Consequências
Bacelar criticou a Lei 13.365, sancionada em 2016, que desobriga a Petrobras de atuar como operadora de todos os blocos do pré-sal. Essa legislação alterou uma norma de 2010, que garantia à Petrobras o chamado direito de preferência, permitindo que decidisse se queria ou não ser a operadora, com uma participação mínima de 30% no consórcio explorador.
Os defensores da mudança alegavam que desobrigar a estatal seria uma solução para melhorar sua situação financeira, que na época estava comprometida devido à crise provocada pela Operação Lava Jato. O então presidente da Petrobras, Pedro Parente, argumentava que a obrigatoriedade de ser operadora limitava a capacidade da empresa de tomar decisões que melhor atendesse seus interesses.
Por outro lado, a FUP destaca que essa flexibilização abriu espaço para que empresas internacionais realizassem descobertas importantes. A entidade também observa que a mudança na lei incentivou a arrematação de blocos com menores ágio, ou seja, a preços mais baixos.
No leilão do bloco Bumerangue, a BP ofereceu à União uma parcela de óleo excedente de 5,9%, resultando em um ágio de 4,24%. O ágio refere-se à diferença entre o excedente mínimo exigido pelo leilão e o que foi realmente oferecido.
“A mesma BP ofertou apenas 6,5% no bloco Tupinambá, arrematado em 2023, consolidando uma tendência de baixa compensação ao país e alta concentração de exploração por empresas estrangeiras”, afirmou Deyvid Bacelar.
O Modelo de Leilão de Exploração
A descoberta no pré-sal foi de tal importância para o Brasil que levou o governo, com a aprovação do Congresso, a modificar o regime de exploração do petróleo. Nesse novo sistema, chamado regime de partilha, as petroleiras precisam pagar um bônus de assinatura e, na sequência, o petróleo excedente produzido é dividido entre a empresa e a União.
Nos leilões de áreas de pré-sal, a vencedora é a empresa que oferece a maior fração de lucro à União. Além do bônus de assinatura, as empresas também precisam pagar royalties.
É importante ressaltar que o modelo de partilha difere do modelo de concessão, aplicável às demais áreas de petróleo e gás. No modelo de concessão, a concessionária assume todos os riscos de investimento e se torna proprietária de tudo que for encontrado.
Nos últimos leilões, tanto em Bumerangue quanto em Tupinambá, a BP participou sozinha, sendo que no leilão do bloco Tupinambá, o ágio foi de 33,20%.
Defesa do Modelo pela Indústria
A indústria do petróleo, por sua vez, defende o modelo atual, que permite à Petrobras apenas o direito de preferência, segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP). Em contato com a Agência Brasil, o IBP destacou que a atual política de exploração e produção de óleo e gás tem gerado resultados positivos, considerando a presença de múltiplos operadores.
“A atuação de vários operadores, inclusive no pré-sal, aumenta o conhecimento geológico da região, acelera a exploração e maximiza o potencial da bacia”, defendeu o presidente do IBP, Roberto Ardenghy.
O IBP acrescentou que a diversidade de empresas, tanto nacionais quanto internacionais, promove maior competição, atrai investimentos e amplia a arrecadação de royalties e participações especiais, resultando em benefícios para a sociedade brasileira.
A Petrobras não se manifestou sobre o modelo atual de preferência sem obrigatoriedade. Em uma teleconferência com analistas e investidores, a presidente da companhia, Magda Chambriard, comentou que a empresa está atenta a todas as oportunidades de leilão da ANP.
“O território brasileiro é nossa casa e, quando se oferta áreas do pré-sal, isso é do nosso interesse”, afirmou.
No entanto, Chambriard enfatizou que a participação da Petrobras dependerá de critérios econômicos. “Ninguém aqui está pensando em nenhuma aventura desmedida. Se o projeto for bom e estiver previsto no nosso plano de negócios, essa é a direção que vamos seguir”, destacou.
Em resposta, a ANP declarou que não cabe a ela comentar legislações aprovadas pelo Congresso, reiterando que implementa as políticas emanadas do governo. O Ministério de Minas e Energia (MME) não respondeu ao pedido de comentários.
Prós e Contras da Mudança
O professor Geraldo Ferreira, do Departamento de Engenharia Química e Petróleo da Universidade Federal Fluminense (UFF), observa que a reforma na legislação e na postura da Petrobras começou com a mudança de governo em 2016, sob a presidência de Michel Temer, orientada para o mercado.
“A gestão da Petrobras também é ajustada para estar em sintonia com os novos tempos do mercado”, argumentou o professor, que apresentou uma visão equilibrada sobre as vantagens e desvantagens da nova legislação.
Ele destacou que, ao desonerar a Petrobras de ser operadora em todas as áreas, há uma flexibilidade que pode acelerar o desenvolvimento em regiões que, sob sua gestão exclusiva, não teriam prioridade.
No entanto, Ferreira também sente que essa flexibilização resulta em um “enfraquecimento do controle estratégico” do Estado sobre o setor de óleo e gás.
Efeitos do Enfraquecimento do Controle Estatal
Consequências desse enfraquecimento incluem:
- Menor participação governamental na arrecadação por barril em contratos.
- Coordenação mais fraca das políticas industriais.
- Maior risco de subfinanciamento do Fundo Social, cuja finalidade é destinar parte dos recursos do pré-sal para áreas como saúde, educação e meio ambiente.
Ferreira acredita que o atual cenário favorece empresas estrangeiras e isso pode não estimular o crescimento da indústria brasileira do petróleo. “Somente em combinação com estratégias que transformem a presença de operadores estrangeiros em capacidade doméstica, essas operações podem gerar benefícios reais para o Brasil”, ponderou.
“Caso contrário, continuaremos a ser meros exportadores de commodities, como temos sido historicamente”, acrescentou.
Próximos Leilões
O próximo leilão de exploração ocorrerá em 22 de outubro, no 3º Ciclo da Oferta Permanente de Partilha. Estarão em disputa 13 blocos exploratórios nas bacias de Santos e Campos.
Quinze empresas se inscreveram, incluindo a Petrobras, Prio, 3R (Brava Energia), além de multinacionais como Chevron, Ecopetrol, Equinor, Petrogal, Petronas, QatarEnergy, Shell, Total Energies, Karoon e as chinesas Cnooc e Sinopec.
Em junho, a ANP também realizou o leilão do 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão, que abrangeu áreas na Foz do Amazonas, uma região que é considerada “o novo pré-sal”. A Petrobras controla blocos na área, mas ainda precisa da autorização do Ibama.
No leilão, 19 blocos foram oferecidos e a Petrobras arrematou 10 áreas, em consórcio com a ExxonMobil, enquanto a Chevron adquiriu nove blocos em parceria com a chinesa CNPC.