Cade como Regulador das Big Techs
A escolha do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) como responsável pela regulação econômica das grandes empresas de tecnologia, conhecidas como "big techs", é considerada adequada pelo advogado Bruno Bastos Becker. Ele é mestre em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP) e sócio do escritório Berardo Lilla Advogados.
Becker observa que o próprio Ministério da Fazenda conduziu uma consulta pública sobre o assunto antes de desenvolver o projeto que visa ampliar os poderes da autarquia na luta contra práticas anticoncorrenciais das gigantes da tecnologia. Ele destaca que a maioria dos participantes da consulta apontou o Cade como a autoridade mais preparada para lidar com a situação, em vez de criar uma nova agência ou transferir responsabilidades para a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Becker comenta que essa escolha parece correta.
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De acordo com o advogado, os principais tópicos relacionados às plataformas digitais, como lojas virtuais de aplicativos, formas de pagamentos, exclusividades e a prática de autopreferência, já são objeto de investigação e análise de mercado pelo Cade. Esse trabalho gera um acúmulo de conhecimento na Superintendência-Geral (SG) e no tribunal do órgão antitruste.
O projeto recente, cujo envio ao Congresso Nacional foi anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 17 de outubro, cria uma superintendência específica no Cade destinada a abordar potenciais práticas anticoncorrenciais por parte das big techs. Durante as discussões sobre a proposta, outras possibilidades de estrutura organizacional dentro do Cade também foram consideradas.
Necessidade de Reforço e Cooperação
Becker indica que, independentemente do cenário futuro, será necessário aumentar o quadro técnico do Cade e promover a cooperação com a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), o Banco Central e a Anatel. Essa abordagem buscaria utilizar a infraestrutura já existente e evitar os custos associados à criação de uma nova agência reguladora.
Debates sobre Regulação Econômica
O advogado ressalta que a discussão sobre a regulação econômica das grandes empresas de tecnologia é um fenômeno global, que se opõe a dois modelos distintos: a regulação ex-ante e a regulação ex-post.
Becker ilustra essa oposição usando a analogia de uma plataforma digital como um shopping virtual. Ele sugere que a regulação ex-ante funciona como um conjunto de normas estabelecidas antes da abertura das lojas, assegurando que não haja obstáculos nos corredores, permitindo que cada lojista escolha seu meio de pagamento e evitando que o proprietário do shopping favoreça um vendedor em detrimento de outro.
Por outro lado, na regulação ex-post, as ações ocorrem depois que uma denúncia é feita, como em um caso onde há reclamações de que o dono do shopping dificultou a entrada de uma loja ou favoreceu a sua própria. Nesse caso, a autoridade conduziria uma investigação e, se houvesse confirmação de abusos, aplicaria sanções.
Modelos de Regulação em Diferentes Regiões
Nos Estados Unidos, predomina o modelo ex-post, conferindo maior liberdade às plataformas digitais, com investigações e sanções sendo aplicadas somente após a ocorrência de eventos adversos. Em contrapartida, na Europa, a abordagem é inversa, com um forte viés de política industrial e um protecionismo regulatório. Essa estratégia é exemplificada pelo DMA (Digital Markets Act), que impõe obrigações preventivas a “gatekeepers” para restringir práticas anticoncorrenciais.
De acordo com Becker, o Brasil adota uma abordagem intermediária, que combina mecanismos de regulação ex-ante com as ações ex-post do Cade. Ele afirma que essa abordagem é semelhante às já implementadas em países como Alemanha, Reino Unido e Japão.
O especialista observa que o principal desafio consiste em equilibrar inovação e regulação, especialmente em um cenário tecnológico em rápida evolução. A celeridade da regulação, portanto, torna-se quase tão relevante quanto a inovação em si.
Críticas ao DMA Europeu
Becker menciona que o DMA europeu enfrenta críticas por sua rigidez, custos relacionados ao cumprimento das normas e aumento da litigiosidade. O DMA estabelece uma série de obrigações rigorosas que não estão contempladas na proposta do Ministério da Fazenda no Brasil.
As exigências incluem a abertura de ecossistemas para distribuição de aplicativos (como lojas alternativas e sideloading), a interoperabilidade com funcionalidades do sistema operacional, a concessão de acesso e portabilidade de dados em tempo real e sem custos, bem como a proibição do uso de dados comerciais por parte dos gatekeepers para fins competitivos. Além disso, o DMA proíbe a autopreferência em rankings e anúncios, permitindo que terceiros decidam sobre preços e condições comerciais nas plataformas. Segundo Becker, este conjunto de normas é robusto e, se não for bem calibrado, poderá comprometer a agilidade das plataformas digitais.
O Brasil, por sua vez, propõe uma combinação de medidas intermediárias que são menos rigorosas que as do DMA, ao mesmo tempo em que preserva as ações preventivas e as regulares ex-post realizadas pelo Cade. Becker conclui que essa é uma estratégia acertada, pois evita a excessiva rigidez das plataformas, ao mesmo tempo que reconhece a necessidade de um acompanhamento mais intensivo das suas atividades.